sábado, 5 de fevereiro de 2011

Nomenclatura na área da surdez


A pessoa que tem surdez
Como chamaremos esta pessoa? Como nos referiremos a ela?

Surda? Pessoa surda?
Deficiente auditiva?
Pessoa com deficiência auditiva?
Pessoa com baixa audição?
Portadora de deficiência auditiva?
Pessoa portadora de deficiência auditiva?
Portadora de surdez?
Pessoa portadora de surdez?

Em primeiro lugar, vamos parar de dizer ou escrever a palavra “portadora” (como substantivo e como adjetivo). A condição de ter uma deficiência faz parte da pessoa e esta pessoa não porta sua deficiência. Ela tem uma deficiência. Tanto o verbo “portar” como o substantivo ou adjetivo “portadora” não se aplicam a uma condição inata ou adquirida que está presente na pessoa.

Uma pessoa só porta algo que ela possa não portar, deliberada ou casualmente. Por exemplo, uma pessoa pode portar um guarda-chuva se houver necessidade e deixá-lo em algum lugar por esquecimento ou por assim decidir. Não se pode fazer isto com uma deficiência, é claro.

Um outro motivo para descartarmos as palavras “portar” e “portadora” decorre da universalização do conhecimento pela internet, processo este que está nos conectando em tempo real com o mundo inteiro. Assim, por exemplo, ficamos sabendo que em todos os lugares do mundo as pessoas com deficiência desejam ser chamadas pelo nome equivalente, em cada idioma, ao termo “pessoa com deficiência”. Exemplos:

person with a disability, persons with a disability, people with disabilities (em países onde se fala a língua inglesa).
persona con discapacidad (em países de fala espanhola).
pessoa com deficiência (No Brasil, em Portugal e em outros países onde se fala a língua portuguesa).

Por extensão, naqueles países, fala-se e escreve-se, respectivamente, assim:

person with a hearing impairment, person with deafness, deaf people, deaf persons.
persona con sordera, persona con discapacidad auditiva, persona sorda, persona con baja audición.
pessoa com deficiência auditiva, pessoa com surdez, pessoa surda, pessoa com baixa audição.

Em outros países não se usa uma palavra equivalente a “portadora de” para se referir à pessoa com deficiência. Já aconteceu em mais de uma ocasião um fato lamentável se não cômico. Brasileiros vertendo para o inglês um texto de palestra, lei ou livro escrito em português, cometeram a seguinte barbaridade:

carriers of disabilities.
persons carrying a disability
.

Entenda-se: “carriers of” e “carrying” seriam a versão inglesa de “portadores de” e “que portam”, respectivamente. Quando os americanos leram o texto assim vertido para o inglês, eles não entenderam por qual motivo as pessoas eram portadoras (carregadoras) de deficiência ou por qual razão elas estavam portando (carregando) uma deficiência.

Surdez ou deficiência auditiva

Resolvido o problema dos termos “portar” e “portadora de”, passemos à deficiência em si. Todos conhecem o fato de que alguns surdos não gostam de ser considerados deficientes auditivos e o fato de que algumas pessoas com deficiência auditiva não gostam de ser consideradas surdas. Também existem pessoas surdas ou com deficiência auditiva que são indiferentes quanto a serem consideradas surdas ou deficientes auditivas.

A origem dessa diversidade de preferências está no grau da audição afetada.

No plano pessoal, a decisão quanto a usar o termo “pessoa com deficiência auditiva” ou os termos “pessoa surda” e ”surda”, fica por conta de cada pessoa. Geralmente, pessoas com perda parcial da audição (com baixa audição) referem-se a si mesmas com tendo uma deficiência auditiva. Já as que têm perda total da audição preferem ser consideradas surdas.

Tecnicamente, considera-se que a deficiência auditiva é a “perda parcial ou total bilateral, de 25 (vinte e cinco) decibéis (db) ou mais, resultante da média aritmética do audiograma, aferida nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz” (art. 3º, Resolução nº 17, de 8/10/03, do Conade – Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência). Esta resolução alterou o art. 4º do Decreto nº 3.298/99, por causa do “inadequado dimensionamento das deficiências auditiva e visual” estabelecido nesse decreto federal. Em 2/12/04, o Decreto nº 5.296, de 2/12/04, alterou o art. 4º do citado Decreto nº 3.298, passando de 25 decibéis para 41 decibéis, obedecendo a Resolução do Conade, conforme segue:

Art. 70. O art. 4o do Decreto no 3.298, de 20 de dezembro de 1999, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 4o (...), II - deficiência auditiva - perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz”.


Mas no plano formal, estatístico, convencionou-se mundialmente adotar a seguinte classificação;

deficiência física
deficiência intelectual
deficiência auditiva
deficiência visual
deficiência múltipla
Por esta classificação, entendemos que, não obstante tenha a “deficiência auditiva” o mesmo significado de “surdez”, ficaria confuso trocar apenas esses dois termos um pelo outro. O mesmo acontece com “deficiência visual” e “cegueira”. Se a troca fosse feita, a classificação das deficiências ficaria, por exemplo, assim:

deficiência física
deficiência intelectual
surdez
cegueira
deficiência múltipla

Nada justifica especificarmos a surdez e a cegueira, se não especificarmos cada um dos inúmeros tipos de deficiência física (ausência de membros, paralisias, paraparesias, malformação congênita etc.), de deficiência múltipla (duas ou mais deficiências: física + intelectual + auditiva + visual) e de deficiência intelectual (termo utilizado em substituição ao “deficiência mental”, desde 2004 pela Organização Mundial de Saúde - OMS). A partir de 1992, a deficiência intelectual não é mais classificada em leve, moderada, severa e profunda (níveis criados em 1968 pela OMS) e sim pelas formas de apoio que as pessoas com esta deficiência podem necessitar para seu pleno funcionamento social.

Concluindo, devemos utilizar criteriosamente cada um dos termos. Num contexto formal, estatístico, falaremos em pessoas com deficiência auditiva referindo-nos ao grupo como um todo, especificando ou não os graus de perda auditiva e a quantidade de pessoas existentes em cada nível de surdez. E, em situações pessoais, informais, coloquiais, diremos e escreveremos surdos, pessoas surdas, comunidade surda, comunidade dos surdos, quantidade de pessoas por nível de surdez, comunicação entre os surdos, comunicação com os surdos, comunicação dos surdos, os sinais que os surdos utilizam etc.


Romeu Kazumi Sassaki - Consultor de inclusão social, 04/01/2005

3 comentários:

  1. Essa postagem é para ampliar nossos conhecimentos mesmo, muitas vezes pecamos no uso da linguagem pq desconhecemos os seus aspectos ou não paramos para refletir sobre eles, aqui vc problematiza o uso do termo portador e ampliar nosso olhar!

    Perfeito, jamais usarei novamente o termo portador! Obrigada e parabéns pelo trabalho!

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  2. ♠ Bela postagem, amigo/a.
    ♠ Sem dúvida, expande os nossos horizontes e diminui a nossa ignorância.
    Desejo-lhe uma boa vida.

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  3. Esse post foi um divisor de águas na minha compreensão de muitas coisas vc acredita???

    Pois foi, cáh estou eu lendo ele seis meses depois!!!

    Obrigada!!!

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